
Despertámos azuis olorosos nos mares
enquanto as chávenas de café se esvaziaram
e poisámos nos pires porcelanas delicadas
dos nossos pensamentos vagamente translúcidos
Depois encontrámos alguma cegueira momentânea
no querermos engolir todo o redondo do sol
de uma só vez pelas pupilas contraídas
numa gula lúbrica que as retinas não suportaram
Fizemos noite do dia por incontinência gulosa do desejo
e como adão e eva de pudícias sonegadas
voltámos ao estado consciente do saber
perdidos então os espantos das nossas bocas fechadas
Contentámo-nos de novo com uma pouca imensidão apenas [morna
tomada em comprimidos engolidos com água de sabor fénico
líquidos também ficaram os nossos sonhos
que recolhemos em dois dedais pequenos
Molhámos as canetas nessas tintas ainda coloridas
para registarmos os sonhos diminuídos no papel
mas só fluiram transparências invisíveis
dos despejados dedais numa escrita que não se lê
Das folhas brancas queremos reter já só os gestos da escrita
mas a memória apagou-lhes partes inteiras
esquecemos então os sonhos liquefeitos e escritos em nada
e adormecemos os olhos sobre os cinzentos chorados dos mares
Bárbara Pais, in In Vida Veritas, inédito, 2007
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