
MEDITANDO
Quantas vezes, vou só, por um caminho adiante,
A meditar nas cousas.
E meditando, eu torno-me distante
Das suas aparências mentirosas.
Meditar é subir àquela altura,
Onde a gota de orvalho é um astro que alumia;
E onde é perfeita a mística alegria
A humana desventura.
Por isso, eu amo tanto
As horas de saudade em que medito,
E julgo ouvir misterioso canto
E me perturba a sombra do Infinito.
Ouço uma voz dizer, em mim:
eu sou alguém...E sinto que essa voz não é só minha; eu sinto
Que dimana de tudo o que me cerca e tem
Ermo perfil, nas trevas, indistinto.
Sou infinito amor, quimérica presença.
Aos meus olhos baixando, a luz do luar,
Em choro, se condensa;
E vejo a terra e o céu, como através do mar.
E transtornam-se as cousas que parecem
Destroços naufragados.
Seus corpos anoitecem
E ficam-se, na sombra, a olhar, pasmados.
Sempre que choro, o branco nevoeiro
As árvores apaga.
O meu riso floresce um ermo outeiro
E o meu canto, de monte em monte, se propaga.
Que estranha simpatia
Me prende às pobres cousas da Natura!
A minha dor cantando é luz; minha alegria
Incendeia a nocturna sombra escura.
E vejo a intimidade, o laço oculto,
Que as almas todas casa;
Meu coração erguendo, em sonhos, o seu vulto
É pedra, nuvem, asa.
Horas em que medito e me disperso,
Por tudo quanto existe.
Em mim, se extingue o dia do Universo
E principia, em mim, a sua noite triste.
Teixeira de Pascoaes, in Fernando Guimarães (org.), Simbolismo, Saudosismo e Modernismo: Antologia de Poesia Portuguesa, Quasi, 2001.
Foto: Isabel Solano