Acho que hoje estava a precisar de deambular por aí com a minha câmara, está um dia lindo.

(...)
"Uma luz como esta, acredita?, só encontrei aqui."
Disse que era capaz de reconhecer certos lugares do mundo apenas pela luz. Em Lisboa, a luz, no fim da Primavera, debruça-se alucinada sobre o casario, e é branca e húmida, um pouco salgada. No Rio de Janeiro, naquela estação intuitiva à qual os cariocas chamam Outono, e que os europeus afirmam com desdém ser puramente imaginária, a luz torna-se mais branda, como que um fulgor de seda, acompanhada por vezes de uma cinza húmida, que encobre as ruas, e desce depois lentamente, tristemente, sobre as praças e os jardins. Nos campos encharcados do Pantanal de Mato Grosso, de manhã bem cedo, as araras azuis atravessam o céu, sacudindo das asas uma luz lúcida e lenta, que pouco a pouco pousa sobre as águas, cresce e se propaga, e parece cantar. Na floresta de Taman Negara, na Malásia, a luz é uma matéria fluida, que se cola à pele e tem sabor e cheiro. Em Goa, é ruidosa e áspera. Em Berlim o sol está sempre a rir-se, pelo menos desde o instante em que consegue furar as nuvens, como naqueles autocolantes ecologistas contra a energia nuclear. Mesmo nos céus mais improváveis, Ângela Lúcia descobrira brilhos a merecerem ser salvos do esquecimento; (...)
José Eduardo Agualusa, in O Vendedor de Passados, Dom Quixote, 2007.
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