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quinta-feira, janeiro 03, 2008

Tarde verde no olho das garças

De Manoel de Barros só tenho O Encantador de Palavras. Fica aqui hoje o registo de que estabeleci como prioridade sobre todas as coisas descobrir outros livros dele por aí, talvez na novíssima Byblos; ainda não fui lá e este é um excelente pretexto para a primeira incursão nesse que deve ser um local de perdição. Melhor deixar os cartões de crédito e livros de cheques em casa e sair só com o dinheiro necessário para o Manoel de Barros... digo eu...

A fotografia é da Ilha dos Pássaros, frente a Escaroupim, no rio Tejo.


Levei a Rosa na beira dos pássaros que fica no
meio da Ilha Lingüística.
Rosa gostava muito de frases em que entrassem
pássaros.
E fez uma na hora:
A tarde está verde no olho das garças.
E completou com Job:
Sabedoria se tira das coisas que não existem.
A tarde verde no olho das garças não existia
mas era fonte do ser.
Rosa gostava muito do corpo fônico das palavras.
Veja a palavra bunda, Manoel
Ela tem um bonito corpo fônico além do propriamente.
Apresentei-lhe a palavra gravanha.
Por instinto lingüístico achou que gravanha seria
um lugar entrançado de espinhos e bem
emprenhado de filhotes de gravatá por baixo.
E era.
O que resta de grandezas para nós são os
desconheceres - completou.
Para enxergar as coisas sem feitio é preciso
não saber nada.
É preciso entrar em estado de árvore.
É preciso entrar em estado de palavra.
Só quem está em estado de palavra pode
enxergar as coisas sem feitio.

Manoel de Barros, in O Encantador de Palavras, Quasi, 2000
Foto: Isabel Solano

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