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domingo, janeiro 20, 2008

Ter não sei quê do voo suave


Ah, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!

Porque é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Porque vai sob o céu aberto
Sem um desvio?

Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh'alma alheia

Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro em meu ser.

Fernando Pessoa, in Antologia Poética, RBA, 1994
Foto: Isabel Solano

2 comentários:

R de Regina disse...

Fernando Pessoa,um vendaval de sentimentos.
Este eu não conhecia>

Anónimo disse...

Meu Deus, esse poema é incrível . Já repararam na estrutura do poema...Um verso mais longo, um verso mais curto, um verso mais longo, um verso mais curto...parece o vôo de uma ave. E o som das palavaras que repetem a consoante V, e a consoante Z, passam a sonoridade de vôo.
Tudo perfeitamente bem encaixado.
Muito bonito mesmo.