e num instante de maior lucidez poderia ser o rio
as cabras escondendo o delicado tilintar dos guizos nos sais de prata
da fotografia
poderia erguer-me como o castanheiro dos contos sussurrados juntoao fogo
e deambular trémulo com as avesou acompanhar a sulfúrica borboleta revelando-se na saliva dos lábios
poderia imitar aquele pastor
ou confundir-me com o sonho de cidade que a pouco e pouco morde a
sua imobilidade
habito neste país de água por engano
são-me necessárias imagens radiografias de ossos
rostos desfocados
mãos sobre corpos impressos no papel e nos espelhos
repara
nada mais possuo
a não ser este recado que hoje segue manchado de finos bagos de
romã
reparacomo o coração de papel amareleceu no esquecimento de te amar
Al Berto, in "Trabalhos do olhar", O Medo, 3ª ed., Assírio & Alvim, Lisboa, 2005.
Foto: Isabel Solano
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