
os negros surgem à flor do papel
passo a passo
entro pela cal ferida das casas e desvendo
portas entreabertas cortinas de riscado objectos polidos pelo uso
chitas
nódoas seculares risos cinzas resíduos de comida ossosmantos de pó penumbra mornas onde se encolhem os gatos
arcos de alvenaria gavetas sem fundo trepadeiras recantos de urina
ninhos que a curiosidade das crianças largou ao esquecimento
os brancos recortam-se intensos
a aldeia assemelha-se a uma mandala de líquidos cinzentos
um pouco de amarelo arde no centro da fotografia
por detrás dos cinzentos aguados
ouço guinchos de animais recolhendo às tocas
quando a noite cresce
à medida que o revelador actua
o estrangeiro atravessa o crepúsculo
e pára surpreendido pela luz do flash
depois
basta meter a folha de papel no fixador e esperar
Al Berto, in "Trabalhos do olhar", O Medo, 3ª ed., Assírio & Alvim, Lisboa, 2005.
Foto: Isabel Solano
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