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sábado, janeiro 31, 2009

Reflexo

A boat to heaven
REFLEXO

Como um lago o poema
não repete reflecte

Gastão Cruz, in Crateras, Assírio & Alvim, 2000
Foto: Isabel Solano

Implosão


À falta de poesia
fez-se implodir um poeta
sobre uma folha vazia

20/11/2007

Rui de Morais, in Do Riso da Insónia, inédito, 2007
Foto: Isabel Solano

Para além das grades

Emprisoned
Parece haver de novo grades nas janelas
e poucos - tão poucos! -
que queiram ver para além delas.

6/12/2008

Luísa Veríssimo, in Mais Poemas, inédito, 2008
Fotografia: Isabel Solano

sexta-feira, janeiro 30, 2009

Tempo


Tece a teia
a tecedeira
atenta
a cada fio
que cruza
tem nos dedos
toda a vida
que à alma
se recusa

1/12/2008

Luísa Veríssimo, in Mais Poemas, inédito, 2008
Fotografia: Isabel Solano

domingo, janeiro 25, 2009

Apenas folhas caídas

Leaves me confused

São apenas folhas caídas
em mil cores que o vento sopra
tantas outras despedidas
de verdes que outrora foram

São apenas folhas caídas
no empedrado das ruas
ou na terra humedecida
por entre árvores nuas

São apenas folhas caídas
por outras que irão nascer
e entregam-se coloridas
que pouco importa morrer

30/11/2008

Luísa Veríssimo, in Mais Poemas, inédito, 2008
Fotografia: Isabel Solano

Este país que o mar não quer


MORTE AO MEIO-DIA

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra os vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país de sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é para comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta à gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

Ruy Belo, in "Boca bilingue", Todos os Poemas - 1, 2ª ed., Assírio & Alvim, 2004.
Foto: Isabel Solano

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Doce de laranja


VI

até a chuva
vem beijá-las
as laranjas
depois corre
goteja
das cascas
lágrimas
tontas
doces

03/01/2009

Isabel Solano, in "Em tons de laranja", Até ao lugar onde - 30 poemas e 1 mapa, inédito, 2009.

Foto: Isabel Solano

domingo, janeiro 18, 2009

Dissimulação


V

à noite o laranjal
perfuma até as estrelas

a lua torna-se redonda
alisa a pele
aquece a cor

a lua tenta-me
ladina
dissimulada
laranja

03/01/2009

Isabel Solano, in "Em tons de laranja", Até ao lugar onde - 30 poemas e 1 mapa, inédito, 2009.

Foto: Isabel Solano

sábado, janeiro 17, 2009

Quem se deixaria tentar pela maçã?


IV

aqui não há peixes
nem búzios

há alguns pássaros
pedras

aqui não há mar
nem correntes

há céu e nuvens
brisas

no laranjal
quem se deixaria tentar
pela maçã?

e já o sol se vai pondo

03/01/2009

Isabel Solano, in "Em tons de laranja", Até ao lugar onde - 30 poemas e 1 mapa, inédito, 2009.

Foto: Isabel Solano

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Tenho ainda as laranjas


III

Acordo a manhã no laranjal
sabendo que ainda não é hoje
que vou partir

Percebo ao longe duas silhuetas
minúsculos vultos negros
em contraluz
de gente que também é
mas vive à procura

Eu tenho ainda laranjas
ar
e a vista de mar
que não se esgota

03/01/2009

Isabel Solano, in "Em tons de laranja", Até ao lugar onde - 30 poemas e 1 mapa, inédito, 2009.

Foto: Isabel Solano

domingo, janeiro 11, 2009

Aguarelo de laranjas a manhã


II

Espremo um gomo entre a língua e o palato.
Como se pintasse frescos na cúpula,
aguarelo a manhã pelo pensamento incolor.
Misturo mais azul, abro o brilho,
contrasto as cores que já vejo.

Posso viver só de laranjas
e do ar que respiro,
com vista para o mar,
aqui, onde escolhi ficar.

03/01/2009

Isabel Solano, in "Em tons de laranja", Até ao lugar onde - 30 poemas e 1 mapa, inédito, 2009.

Foto: Isabel Solano

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Perco-me entre as laranjas


I

Podia regressar hoje ao outro mar
e passar o laranjal,
perdido o rumo incerto das palavras.
Mas quero ficar entre as copas redondas,
alinhadas em verdes e amarelos,
unindo meticulosamente os gomos.

Podia chamar o verbo, ganhar tempo
para encontrar o mapa
escondido pelas copas.
Mas vou verter o sumo dos frutos,
doce, sobre os pés cansados,
alimentando assim o projecto de andar.

Podia até dizer-te.
Se a língua desatasse na boca
algum fogo.
Mas perco-me entre as laranjas.

03/01/2009

Isabel Solano, in "Em tons de laranja", Até ao lugar onde - 30 poemas e 1 mapa, inédito, 2009.

Foto: Isabel Solano

domingo, janeiro 04, 2009

Como o beijo


Como este beijo,
é vasto e profundo
o oceano.

E alheio ao mundo.

01/11/2008

Isabel Solano, in Entretextos, inédito, 2008.

Foto: Isabel Solano

Nas entrelinhas


vale o que vale
a escrita

dita quase só
nas entrelinhas
de um pensamento

22/12/2008

Isabel Solano, in Entretextos, inédito, 2008.

Foto: Isabel Solano